CORONAVÍRUS: SÍMBOLO DO RIO, BISCOITO GLOBO FECHA SUA FÁBRICA – Com as praias proibidas, empresa fundada em 1953 perde sua maior fonte de renda e para de funcionar por tempo indeterminado.
Em homenagem, um texto de Danusia – Trecho spoiler do livro “Os sabores e os saberes de Danusia Barbara” Por Wanderlino Texeira Leite Neto:
Durante a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, um jornalista alienígena buliu num vespeiro: desceu a ripa no biscoito Globo. A reação foi imediata, levando o dito-cujo a se retratar publicamente. O texto a seguir transcrito, obtido no arquivo particular da autora, uma louvação de Danusia Barbara à guloseima idolatrada pelos cariocas, nos mostra que alguém já cometera o “sacrilégio” de desmerecer a delícia crocante muitos anos antes.
Certo dia, durante uma aula na especialização, a professora pediu que trouxéssemos uma imagem, uma foto, que sugerisse a identidade do Rio de Janeiro. Enquanto todos pensavam em postais do Cristo, do calçadão de Copacabana, do Largo da Carioca, da Lapa, eu só pude pensar em algo tridimensional, que para mim é o Rio: um pacote de biscoito Globo.
Sou carioca, cresci entre as praias de Copacabana e Ipanema e mais do que isso, como repórter, percorro todos os cantos desta cidade e esta iguaria tão particular das terras de São Sebastião do Rio de Janeiro me acompanha há 30 anos. Na praia – sempre harmonizado pelo mate – e nos engarrafamentos.
A história do biscoito Globo já é conhecida para alguns, mas vale comentar. Em 1953, os irmãos Milton, Jaime e João Ponce foram trabalhar na padaria de um primo, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Um ano depois, com a realização do “Congresso Eucarístico” no Rio, os rapazes decidiram vender os biscoitos de polvilho para os fiéis cariocas. Sucesso absoluto de vendas, os três decidiram então morar por aqui, transferindo a receita para uma padaria chamada Globo, em Botafogo. As tais rosquinhas de polvilho vendiam como quê e, em 63, o português Francisco Nunes Torrão decidiu formar uma sociedade com os três irmãos e montar a Panificação Mandarino Ltda., na Rua do Senado, no Centro.
Mas me chama a atenção o fato de um biscoito, de origem paulistana, se tornar identidade cultural e gastronômica da cidade. Eu estava na praia outro dia e ouvi a conversa de três turistas, que aparentemente ficaram amigos no hotel, falando sobre a guloseima. Pai e filho eram de São Paulo e o terceiro de Brasília. Foi quando o visitante da capital federal disparou: “Este troço (?!) aí é a maior febre do Rio. Carioca come isto (?!) sempre. Você vê vendendo em tudo o que é lugar!” Então, o pai decidiu comprar um pacote e, ao experimentar, mandou: “Não tem gosto de nada!”.
O que meus prezados turistas não sabem é que o biscoito Globo tem gosto sim. “Polvilho azedo, leite, ovos, água, açúcar, sal e gordura vegetal”, me garante Francisco Jr, filho do fabricante. Mas também gosto de sol, de mar, de preguiça à beira da praia, de fominha no trânsito, de gol no Maracanã, de festinha cult, de infância, gosto de amigos, da travessura da mordida “croque” que deixa farelo por todos os lados. Além disto, tem gosto de geração de renda e trabalho. Segundo a pesquisa mensal de empregos do IBGE realizada em seis capitais do país, incluindo Rio de Janeiro, divulgada em dezembro, a população desocupada ficou estimada em pouco menos de dois milhões de pessoas, ou seja, um milhão e 922 mil aproximadamente. No Rio, em relação ao mesmo período de 2006, a redução não chegou a 1% (0,8%). Por isto, tantos ambulantes nos sinais vendendo os biscoitos e outros produtos. E como vendem! É preciso pegar senha ainda de madrugada para conseguir comprar os biscoitos na padaria e sair vendendo por aí. Direto da fábrica, cada saquinho custa R$0,50 e chega a ser vendido à R$3,00 para o consumidor final. Durante o verão, são feitas cerca de 16 massas de 50kg cada por dia.
Além disto, o layout da embalagem – a mesma há décadas – que traz um personagem inspirado no desenho “O Bonequinho viu…”, crítica de cinema do jornal O Globo, é ícone fashion, cool. Designers de moda levaram a estampa para acessórios como bolsas, nécessaire, capa para celular, camisetas e agora cangas, que colorem ainda mais as areias cariocas. Francisco Jr. diz que a panificadora nunca investiu em marketing e acha positiva a propaganda, divulgando a marca. Ele ainda garante que a empresa não tem ganho nenhum, basta chegar na padaria, explicar verbalmente a finalidade e eles autorizam. A relação praia-moda-biscoito Globo dá tão certo, que na loja Farm, em Ipanema, as clientes podem degustar as rosquinhas com mate enquanto escolhem as peças na seção praia. E mais! Meu quitute chega a estar registrado no Museu da Pessoa, em SP!
Por isto, saborear o tal biscoito – sal ou doce – é viajar numa cultura regional, praiana, descontraída, bem-humorada e que por trás de cada “croque” farelento movimenta a economia da região.
E então, vai sal ou doce?